Presença negra entre candidatos à Presidência é de só 16%

S. Paulo - Só três, dos dezoito nomes que compõem as chapas de candidatos a Presidentes e vice-Presidentes da República nas eleições de 03 de outubro, são negros: a senadora Marina Silva, candidata do PV, Hamilton Assis e Cláudia Alves Durans, respectivamente, candidatos a vice do PSOL e do PSTU.

O número equivale a 16,66% do total. Segundo estudos do IBGE, 51,3% da população brasileira é auto-declarada preta e parda, o que faz do país, o de maior população negra fora da África.

Marina, que em reunião com lideranças negras já se assumiu como “mulher negra”, embora não tenha vinculação com o tema, e com histórico de militância no movimento ambiental, aparece em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de votos, com índices que variam de 9 a 10% dos votos. Os candidatos a vice são ativistas do Movimento Negro. Hamilton é funcionário da rede municipal de ensino de Salvador e Cláudia é professora de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão.

No total, além de Marina, mais oito candidatos disputam à Presidência da República – José Serra, (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Ivan Pinheiro (PCB), José Maria Eymael (PSDC), Levy Fidélix (PRTB), Marina Silva (PV), Plínio Sampaio (PSOL), Rui Pimenta (PCO), Zé Maria (PSTU).

Afropress conversou com Hamilton Assis, o vice na chapa de Plínio de Arruda Sampaio. Por quase uma hora, ele tratou de temas como a invisibilidade da população negra na política, falou de medidas que considera fundamentais em um programa alternativo para o Brasil, do Estatuto aprovado no Senado e sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do papel do Movimento Negro no processo político.

Com a entrevista, Afropress dá início a série com candidatos a cargos majoritários e proporcionais, como parte da campanha para estimular o voto negro e antirracista no país, contribuindo com o aumento da participação dos negros na política.

Veja, na íntegra, a entrevista concedida ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira.

Afropress - Desde o fim da ditadura e a realização de eleições diretas para Presidente, em 1.989, tem sido pequena, quase insignificante, a participação de negros em chapas majoritárias, em especial nas disputas à Presidência da República. Como o senhor vê o seu papel na condição de candidato a vice do PSOL?

Hamilton Assis - Meu papel, de certa forma, é tirar a invisibilidade, retirar a questão racial do papel coadjuvante. Representamos uma opção pela igualdade, para que a presença dos setores majoritários da população passe a ter visibilidade maior.

Agente está acostumado a ver os outros falarem dos nossos problemas e apresentarem soluções para os nossos problemas. Nós, do PSOL, não acreditamos que haja possibilidade de transformações radicais sem que a população negra se veja refletida nesse processo de disputas. O programa tem de ter a nossa cara, as nossas soluções.

Afropress - E qual é a nossa cara nessas eleições para Presidência da República?

Hamilton - Quando você fala de luta, de enfrentamento de classe não se pode ignorar a contribuição indígena e do povo negro. A luta começou com a resistência indígena que já tem mais de 500 anos. Ela não começa com o modelo eurocêntrico. A revolta dos Aimorés, dos Búzios, dos Alfaiates, Cabanagem, a Farroupilha, no Rio Grande. A história do nosso povo é uma história de lutas, de enfrentamentos. Ignorar isso é fazer um erro de leitura. O modelo ocidental eurocêntrico, não se espelha a realidade. É preciso considerar as lutas de resistência.

Afropress - E o que aconteceu com o PT e com a esquerda no Brasil?

Hamilton - Eles caíram no canto da sereia do fim da históira. A história é uma dinâmica permanente e se nutre das contradições. O capital enquanto modelo civilizatório não dá contra da inclusão de 30 milhões de miseráveis.

Os partidos que historicamente se diziam de esquerda no Brasil, acabaram por invisibilizar esses segmentos e acabaram por formular um projeto para eles. Uma crítica que temos feito a certas posições de esquerda, é que em seu programa, em sua política, acabaram nos jogando para um gueto. É o que acontece, no exemplo da SEPPIR, em outros espaços nos Governos ditos democráticos. É como uma Ferrari sem gasolina.

Afropress - E qual a proposta do PSOL e como será a sua intervenção como vice-presidente? Qual o papel do Movimento Negro nesse contexto?

Hamilton - Não basta apenas ter um vice na Presidência. A população negra, o Movimento Negro precisa se apresentar com um programa para o Brasil do ponto de vista do povo negro. Isso prá mim é que é participar, exercer poder governar. Vamos buscar isso no Partido. O que queremos é construir esse protagonismo para que se dê visibilidade a nossa questão.

Precisamos de um Movimento democrático, pluriétnico na prática, para escrevermos uma página nova na História. É preciso topar esse desafio, e fazer esse diálogo, mesmo entre aqueles que se reivindicam mais revolucionários do que os outros.

Afropress - O candidato a Presidente Plínio de Arruda Sampaio tem sensibilidade no trato dessas questões que o senhor levanta?

Hamilton - O Plínio tem uma trajetória irretocável. É um companheiro que foi precursor dos principais programas de reforma agrária, que sempre teve uma conduta que o eleva à condição de reserva moral e ética na política brasileira. Nós somos uma alternativa diferente. Os outros não estão interessados em dar visibilidade a isso.

Afropress - Quais são as diferenças fundamentais entre Serra, Dilma e Marina, em relação a proposta que o PSOL e o senhor e Plínio representam?

Hamilton - O que Serra, Dilma e Marina apresentam são a continuidade de uma mesma política dentro de sua lógica. Não há espaço nessa lógica para o protagonismo de negros e mulheres. Na sua lógica não há propostas nem solução para a escola pública destruída, a saúde que não consegue oferecer condições de acesso. São propostas que reproduzem a desigualdade.

Afropress - E Lula qual o papel nessa disputa e como avalia o Governo?

Hamilton - O que Lula não diz é que aumentou a concentração de renda no país nos últimos oito anos, uma profunda concentração de renda, seja na cidade, seja no campo. Os projetos do Governo Lula criaram a infra-estrutura para o grande capital. Sua política privilegia a exportação de comodities, o agronegócio, a monocultura. Nenhum dessas obras traz um benefício direto à população.

Ao contrário: a grande maioria das obras está destruindo comunidades tradicionais como os quilombolas. O pólo naval na Bahia, a implantação do Porto sul, são exemplos disso, alta produtividade, com pouco emprego de mão de obra. São obras do interesse do grande capital, do agronegócio e do latifúndio.

Afropress - Você foi militante e atuou durante muitos anos no PT. O que aconteceu com o PT?

Hamilton - Todos os meus votos foram no PT. Nós consideramos o PSOL, uma insurgência de quem não aceitou a acomodação do Partido a ordem dominante. Todas as medidas que defendemos para enfrentar as contradições tem caráter anti-capitalista, anti-imperalista e anti-latifundiárias.

Afropress - E que medidas são essas?

Hamilton - A reforma agrária é uma solução para os grandes centros. Uma ampla reforma tributária com a instituição do imposto progressivo, a suspensão do pagamento da dívida externa. Hoje temos mais de 1 trilhão de dívida pública. É preciso fazer a auditoria nessa dívida e só pagar o que for justo.

São medidas que dão conta de instaurar outro processo de desenvolvimento no nosso país. Queremos o limite de mil hectares da propriedade rural no campo.Para que a reforma agrária tenha êxito a reforma tem de ser feita em terras produtivas e agricultáveis. A reforma agrária também é solução para os grandes centros.

Afropress - Como o senhor acompanhou o debate em torno do Estatuto da Igualdade Racial, afinal aprovado pelo Senado e sancionado pelo Presidente Lula?

Hamilton - Nós do Círculo Palmarino, éramos a favor do Estatuto. Esse processo de tramitação, porém, mutilou o Estatuto. O Estatuto tornou-se uma peça fictícia, um meio retórico. Aquilo que é fundamental para a população negra, a enorme dívida social que esse país tem com a população negra foi ignorada e o governo do PT em parceria com o DEM nos proporcionou essa farsa.

Na prática não vai resolver o problema do nosso povo. Não reconhece o racismo como elemento estruturante da desigualdade social. Só acreditamos em mudanças através da luta, um programa para o Brasil na perspectiva dos povos negro, indígenas, socialista, multrracial e pluriétnico. A Negritude do PSOL adotou o slogan – "o 50 são outros 500 anos de resistência".

A minha expectativa é de que a classe trabalhadora, o povo negro, os explorados consigam entender a nossa mensagem e aproveitem dessa energia para construir um processo de afirmação de um novo protagonismo dos Movimentos Sociais. Nós temos de dizer que a única solução para construir uma outra alternativa é a luta, por meio da aliança dos povos negros e indígenas do Brasil.


Fonte: Afropress

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